
Os últimos anos de formalização desportiva do acto de andar em cima de uma onda fizeram muito boa gente esquecer qual é a ideia mais poderosa por trás do crescimento dos desportos ditos "de ondas". Não há neste pequeno mundo ideia mais explorada, mais cliché do que o do "soul surfer".
Se houve alguma razão para a explosão no desporto, se houve algum factor que contribuisse que o surfing crescesse ou ganhasse preponderância perante outros desportos foi exactamente a ideia do "soul". É um conceito praticamente irresistivel e o que atraí mais pessoas para as ondas do que outra coisa qualquer. E mais "vendável" que qualquer outro.
De que nos fala o único cronista profissionalizado de surfe no nosso país - gonçalo cadilhe - com milhares de exemplares vendidos por cada edição? Tem livros com textos da surf portugal à venda em qualquer estação de serviço na autoestrada. Será que é de competição que nos fala? de patrocínios? de estatuto social, de modas ou de marcas? De que nos fala o filme de ondas mais famoso em todo o mundo, o endless summer, que podemos encontrar em qualquer video-clube em qualquer país, com ou sem mar? Já agora o surfista-cantor mais famoso de todo o mundo? toca ele o thrill da competição com riffs de guitara rasgados? Ou o blog mais famoso da comunidade? Mais do que tudo é esta a ideia, a legitimação. É isto que faz cada vez mais pessoas quererem andar nas ondas.
Vejamos por exemplo o caso do bodyboard há 9 anos para cá. Com o circuíto mundial de rastos e a competição com um prestígio miserável o desporto floresceu mais nos últimos anos do que no resto da sua história. Venderam-se mais pranchas, criaram-se mais marcas o desporto cresceu como já não se via há muito. Enquanto isso a maioria dos profissionais só eram de nome, toda a gente se afirmava como free-surfer. Revistas de surfe escreviam artigos em que afirmavam que o soul se tinha mudado para o boogie, os idolos eram mais puristas, o nível aumentou. Tudo corria pelo melhor com a decadência da competição e a hecatombe dos patrocinios.
Enquanto se nos ultimos anos, houve um cambio de atenção focado na competição e no arquétipo do surfista-desportista, não nos podemos esquecer que é apenas uma ideia conjuntural do surfing. Nem melhor nem pior. Se o desporto ou a indústria estão agarrados a qualquer noção primordial do que é o desporto essa é o soulsurf e para lá retornarão avidamente assim que o entenderem ou lhes for mais proveitoso. O "retro", a mania da descoberta de ondas, as marcas ecologicamente respeitáveis e até o paddle-surf são pequenos sintomas dessa mudança.
Tom curren insurgia-se há uns anos para esta dualidade declarando que a forma mais honesta de se fazer dinheiro com o surfe é competindo. Ele, que era pago apenas para tirar fotos. Quem recusaria isso? No entanto o que ele denunciava não era o comércio, era a hipocrisia da teoria da superioridade. Quando constatou que um emprego é um emprego e que as obrigações lhe retiravam tanto o prazer de free-surfar como de competir entendeu isso. Há pessoas que fazem ambos apenas por gosto e quem somos nós para medir o prazer dos outros? Ou para dizer-lhes como se divertirem? O campeonato mais pernicioso, e isso curren entendeu bem, é o da alma.
8 comentários:
Ora quem escreve assim...
Também me irritam esses zelotas. Como se pudessem viver sem a indústria. Faziam as próprias pranchas, untavam-se com vaselina em vez de usar fatos, enfim...ridiculo.
E quanto aos profissionais, alguém me diz que os Players e Tâmegas deste mundo surfam por dinheiro? São profissionais para poder surfar a tempo inteiro.
E competir é mau? Todos competimos, mais não seja connosco mesmos. A procura de excelência ou até da perfeição é o que nos move a todos. Faz parte do nosso ADN.
Perguntem ao mais empedernido competidor o que é que, em última análise o empurra. São as ondas, amigos, as ondas.
Hugo alto texto!!!!..nada mais a dizer...
Confunde-se o cool, o querer ser cool e avontade extrema de parecer cool aos olhos dos outros (dos que surfam, dos que não surfam não surfam, mas fingem surfar, das babes de praia) com o soul. Que erro enorme. Aponta-se um renomado "suprasumo" do surf para se valorizar uma perspectiva deturpada e maniqueista como se aquilo que um "campeão" afirma fosse suficiente para legitimar a filosofia barata do hipotetico-moderno-retro-comercial-eco-soul-surfer-bodyboarder.
A vontade de tudo misturar tem a vantagem de pretender fazer sentir bem e sempre cool quem a segue. A lavagem cerebral foi total, mas isso é normal na sociedade de consumo moderna ocidental que julga tudo entender com base num conhecimento cozinhado para entreter as massas. Benditos "zaratrustas", "Ghandis", "copernicos", "galileus" e outros semelhantes que tiveram a coragem, agilidade mental e conhecimento para discordar e ver o mundo com outros olhos.
De que serve tentar explicar à toupeira o que é voar?
"Corre por aí uma certa ideia peregrina de que o soul e o comercial são antagónicos."
Ora, pois está claro que são antagonicos. É tão obvio e claro que até se torna dificil explicar esse antagonismo a quem não quer ver a diferença. Um está ligado a valores meramente materialistas (o comercial), o outro (o soul) a valores de ordem mais espiritual. O "problema" é que há quem ache o espirito não existe e por isso tenha mt dificuldade em aceitar aquilo que não vê ou que não conhece. Com o seu olho para o negócio o comercial tenta converter o soul em algo que possa ser vendido, mas na realidade aquilo que é vendido é apenas a capa do soul e não o seu conteúdo, pois esse não é possivel de vender, pois é grátis para quem o quiser encontrar.
"De que nos fala o único cronista profissionalizado de surfe no nosso país - gonçalo cadilhe - com milhares de exemplares vendidos por cada edição?"
Devias ler no livro "No principio estava o mar" o capitulo Cabo da Roca (pág 193). Irás então entender que a noção do Cadilhe da realidade é mt diferente da tua, e que o soul de que ele fala nada tem a ver com o soul de que tu falas. Fico a pensar porque razão deixou de escrever regularmente na surfportugal. Será pelo facto do conteúdo da mesma ser antagónico com a sua coluna "Pulsar das Marés"? Só ele o saberá...
"O campeonato mais pernicioso, e isso curren entendeu bem, é o da alma."
O curren teve ter ter entendido alguma coisa, mas nsó mesmo ele para o dizer. Pelo que tenho lido noutros lugares e por conversas (e principalmente pela postura, pois só conversa não chega) com outros parece-me que os do lado da "alma, não estão minimammente preocupados em mostrar ou dizer que tem uma "alma" maior do que a dos outros. não é essa a sua preocupação pois acho que entendem que cada um tem o seu nivel. Já os da "não-alma" vivem constantemente a competir e a tentar encontrar o melhor e o pior uns dos outros. Não são os campeonatos que tornam a coisa má, mas sim tudo o que os rodeia. no fundo são todos muito amigos, mas o que querem é que o adversºario perca para que um possa ganhar e ser aclamado pelo mundo inteiro como o melhor. É todo este cinismo, stress, pressão, fome de fama etc que é pernicioso e que que no fundo tem pouco sentido.
É pá, pseudo-filosofia e pseudo-pseudo-religião é que não.
"Cinismo, stress, pressão"...o animal humano também é isso, pá. Infelizmente, mas é.
Acho que ninguém aqui nega a dimensão espiritual de andar nas ondas. O que não se faz é arrogarem-se donos do "soul".
Um gajo que faz competição não pode ter alma? Por favor...
Não há antagonismo porque o surf (no sentido lato) é pluridimensional e complexo. Como o Homem.
E isso disse até Nietzsche (Zaratustra e tal) concordaria. Aliás, se soubesse o que era isto, era gajo para fazer umas ondas.
Esta discussão é mais que fútil, é descabida.
sempre a mesma conversa do costume, quem tem tem mais alma que o vizinho. ainda falam em competitividade.
anonimo(s) antes de mais não tenhas receio em identificares-te. Os comentários deste blogue são abertos a todas as opiniões desde que não insultuosas. Quanto a achares que a minha perspectiva é maniqueísta tem piada. Maniqueísmo é uma corrente dualista que divide o mundo entre bem e mal. Como por exemplo entre a minha suposta "perspectiva deturpada(...)barata(...)pseudo-cool e lavadora cerebral"
e a de outros como tu onde se incluem modestamente nietzche, ghandi e galileu (porque não cristo?) que tem a "coragem, agilidade, e conhecimento".
Mr Charles
Se estivesse interessado em debater este assunto contigo deixava um post no teu blog. Claroestá que tem todo o direito a ter opinião e a expressa-la publicamente, mas normalmente é tão fraquita que não chega a ser relevante. Não te irrites com os zelotas, preocupa-te antes com a cor das pranchas dos prós ou lança o debate sobre as barbatanas de alguns. Isso sim são asuntos úteis e (des)cabidos e de grande relevancia, mas só para alguns (como tu) que os conseguem entender. E não te irrites que não vale a pena...fuma uma ou bebe uma jola.
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